Alguns meses atrás decidi fazer aula de musculação. Só pra variar um pouco a natação. Antes de iniciar a puxação de ferro, porém, consultei uma médica nutróloga.
Pois bem, entre outras coisas ela me receitou um suplemento de proteínas. Saí do consultório, passei lá no mercado e passei a mão no dito cujo. Fui-me embora para o meu ap, liguei o rádio e sentei no sofá com o tal pote.
Pus-me a ler o rótulo como de costume.
Dizia lá:
L-Metionina tantos mg,
L-Cistina tantos mg,
L-Tirosina,
L-Triptófano,
L-Potter...
L-Potter?
Desliguei o rádio pra não me inconfundir.
Peguei um LP antigo e pousei a agulha sobre a faixa: BCAA. Novamente segurei o meu pote com as duas mãos. Lá dizia:
L-leucina
L-isoleucina
L-valina
Silêncio no toca-discos. E nova faixa na sequência:
L-fenilalalalalalalalalala
Ai, esses discos riscados. Dá uma vontade de jogar no lixo. Voltei a agulha e meus olhos no potão só ouvindo:
L-fenilalanina
Pronto. Aí liguei a TVzona. Trailer de filme. Abri o frigobar, peguei algo lá dentro, a primeira coisa que a minha mão apalpou. E pupila no pote:
L-taurina
Red Bull me deu asas e haja
L-carnitina
pra bater aquelas asas.
Uma hora depois eu caía exausta em cima do sofá. Dê-lhe
ácido glutâmico pra repôr.
Foi tanto que passei mal. Resolvi só na L-PrOLINA. Guti guti.
Bateram na porta.
Quem L-SERInA?
Uma enciclopédia toda sabichona pulou da prateleira na minha mão. Foi logo falando:
L-Lisina, a hidrólise de proteínas produz o isômero opticamente ativo pertencente à série L.
Entendi tudo. Já fazia uma década que eu não abria um livro de Química Orgânica.
Mão no frigobar. Pepsi na mesa. Hora do Lanche:
Hamburguer vai pepsina vem. Hamburguer vem pepsina vai.
Dona Enciclopédia veja só isso:
L-Arginina
E enzima, e enzima e,
Dona Enciclopédia deu cria:
L-Ornitina
Ela empinou o nariz:
Não falei?
Pensei "O que vai acontecer agora?"
Nisso comecei a crescer e crescer e crescer e crescer e encostei no teto. A enciclopédia se apavorou, bateu a porta da estante e se fechou lá dentro com medo que eu a esmagasse. Fechou os olhos e ficou só esperando eu explodir.
Hormônio do Crescimento, hein? Fermento!
Continuei crescendo, toquei nas nuvens e as afofei.
Cadê o meu sofá? Não tinha sofá. Então deitei na nuvenzinha mais branca de todas.
Seu arco-íris o que eu faço pra ficar normal?
Toma um gardenal.
Eu tô falando sério.
Astro Sol o que eu faço pra voltar ao tamanho normal?
Me dá um beijo.
Tá brincando que eu ia queimar a minha boca toda.
No meu desespero me agarrei com o primeiro objeto voador identificado. Espiei pela janela pra dentro da cabina. O piloto automático tomou um susto grande. Brecou aquele troço, o OVI girou, girou, girou e a força centrífuga me encolheu de novo. Que paradoxo!
Chegando em casa, L-Carnosina pra cabeça. A enciclopédia espraiada na prateleira me aguardava, olhão arregalado.
GABA agora, falei. E engoli minha cápsula de ácido gama-amino-butírico.
No meio daquele pout-pourri de neurotransmissores me acalmei. E voei e voei e voei por lugares desconhecidos e encantados procurando por um orelhão. E quando o encontrei ele não funcionava.
Tentei voltar e não achava o caminho de volta. A minha turma tinha ficado na entrada do mundo astral e eu comecei a ficar preocupada. Sem saber o que fazer me lembrei da enciclopédia: Isômero opticamente ativo.
Aminoácido. Eu precisava urgentemente de um pra me mostrar o caminho de volta.
Agarrei o primeiro cogumelo que avistei, o alcalóide fez efeito antes do aminoácido, e uma fauna desfilou em volta da minha cabeça.
A fauna era selvagem e eu era a caça. E fugindo dela alcancei a minha turma e esta quis me devorar.
E eu voei outra vez e os canibais me alcançaram e me comeram.
...